TERRITÓRIO E CULTURA: AS FESTIVIDADES RELIGIOSAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO, NA VILA ESPÍRITO SANTO, NO MUNICÍPIO MARABÁ (PA)

Priscila Dias Pinto, PDTSA – Mestranda - UNIFESSPA, prisciladiaspinto@yahoo.com.br
Airton dos Reis Pereira, PDTSA – Doutor - UEPA, airton@uepa.br

RESUMO
Este texto tem como objetivo analisar os impactos da construção da Hidrelétrica de Marabá nas festividades religiosa do Divino Espírito Santo, da Vila Espírito Santo, localizada a jusante da cidade de Marabá, mais ou menos a 5 quilômetros. Se essa hidrelétrica for construída, os moradores dessa vila serão deslocados, o que também afetará também a realização das festividades. Para sua construção além dos relatos orais, foram imprescindíveis as informações propiciadas por meio das fontes bibliográficas e documentais.
Palavras-chave: Hidrelétrica de Marabá; Vila Espírito Santo; Território. 

INTRODUÇÃO 
A vila Espírito Santo possui cerca de 105 famílias (mais de 500 pessoas) que sobrevivem da pesca, do pequeno comércio, da produção familiar em pequenas chácaras e de serviços temporários na construção civil e em fazendas da região, mas que poderão ser deslocadas, uma vez que aquele espaço se encontra numa posição estratégica da construção do barramento do rio Tocantins e instalação das turbinas da Hidrelétrica de Marabá, pois ao se erguer o muro no meio da vila que de um lado dará lugar à barragem e do outro lado o canteiro de obras, não se terá mais condições de sobrevivência nesse espaço o que afetará inteiramente a comunidade (CORREIO DO TOCANTINS, 01/07/2013).

Nessa vila, todos os anos, se festeja o Divino Espírito Santo. Esse festejo, que também dá nome à vila, é um ritual religioso católico realizado entre os meses de maio e junho, conforme o calendário pentecostal. Assim como em outras partes do Brasil, nessa comunidade, essas festividades se efetivam como espaço de manifestação da fé, mas também de convívio, encontro e reencontro familiares e de amigos. Com a implantação da Usina Hidrelétrica de Marabá todos os moradores serão compulsoriamente deslocados para um outro lugar, impactando diretamente no processo de organização e realização dessas festividades na vila.

É importante refletirmos que na maioria das construções de grandes empreendimentos (hidrelétricas, estradas, ferrovias, portos), os aspectos culturais quase nunca são levados em consideração pelos órgãos do Estado e pelas empresas de construção, causando sofrimento, preocupações, desestruturando a coletividade, até mesmo antes de tais empreendimentos começarem a ser construídos. Ou seja, os moradores começam a sofrer muito antes de sua implantação. Não raro são as ameaças de deslocamentos, anúncios de baixos valores de indenizações, além de notícias de problemas concretos que inúmeras famílias vivenciaram em outros lugares com a implantação de empreendimentos parecidos.

Este texto se propõe investigar as consequências da construção da Hidrelétrica de Marabá nas festividades do Divino Espírito Santo, da Vila do Espírito Santo, município Marabá (PA), visto que essa vila será completamente inundada pelo lago de 1.014 km2 que se formará com o barramento do rio Tocantins. 

A Hidrelétrica de Marabá e seus impactos nas festividades do divino espírito santo

A Eletronorte, em conjunto com a Construtora Camargo Corrêa S/A, a partir de 2007, na tentativa de viabilizar os objetivos do Programa de Aceleração do Crescimento do então Governo Federal, fizeram, entre 2007 e 2013, um estudo na região, visando à implantação da Hidrelétrica de Marabá, no rio Tocantins, a 3.000 metros acima da atual ponte rodoferroviária.

Segundo esses estudos, essa hidrelétrica, uma vez implantada, poderá produzir 2.160 MW de energia elétrica que facilmente serão lançados no sistema interligado nacional devido à proximidade da rede básica de transmissão. Mas os mesmos estudos preveem a inundação de uma área de 1.115 km2, podendo afetar cerca de 40.000 pessoas que vivem às margens dos rios Tocantins e Araguaia, dos municípios de Bom Jesus do Tocantins (PA), Brejo Grande do Araguaia (PA), Marabá (PA), Palestina do Pará (PA), São João do Araguaia (PA), Ananás (TO), São Sebastião do Tocantins (TO), Araguatins (TO), Esperantina (TO) e São Pedro da Água Branca (MA). Além de 36 Projetos de Assentamentos (12 no Pará; 2 no Maranhão; e 22 no Tocantins), vilas, povoados, terras indígenas e o Parque Estadual Encontro das Águas, que se localizam às margens dos rios Araguaia e Tocantins serão diretamente afetados.

A vila Espírito Santo é uma das dezenas de comunidades que serão atingidas pela construção da Hidrelétrica, que deve produzir energia para atender, principalmente, os grandes projetos econômicos da região e as indústrias do Sudeste do País, especialmente de São Paulo e do Rio de Janeiro, além de possibilitar a navegabilidade nos rios Tocantins e Araguaia. 

Entre 2007 e 2015, grande parte dos moradores da vila vivia apreensiva pelas notícias que os meios de comunicação divulgavam sobre a construção da hidrelétrica, sobretudo elogiando e enfatizando a necessidade de se produzir energia elétrica em razão das projeções de crescimento econômico do país, sendo uma parte do espaço da vila destinada ao canteiro de obras e outra parte destinada à formação do lago. Mas os moradores viviam apreensivos também em razão da presença de funcionários de empresas contratadas pela Eletronorte que circulavam pela vila e das informações desencontradas sobre as possíveis indenizações e deslocamento das famílias. 

Quem visita essa vila facilmente pode constatar que muitos de seus habitantes vivem da pesca, do pequeno comércio, da produção familiar nas chácaras e nas ilhas a montante, do trabalho assalariado temporário em fazendas da região, entre outros. E embora à proximidade com o núcleo urbano de Marabá, que tem facilitado a presença de pessoas, especialmente no verão em razão das praias que se formam às margens do rio, ali as famílias se conhecem. Não por acaso é possível encontrar vizinhos conversando debaixo das árvores que foram plantas em frentes as suas casas; crianças e jovens jogando bolas na rua ou no campinho da vila; e diferentes famílias indo à igreja. Esses espaços e esse estilo de vida poderão existir tão somente nas lembranças das pessoas quando a construção do barramento do rio iniciar. Os lugares onde as pessoas se encontram para conversar. Os lugares onde as crianças e jovens se encontram para brincar. Os lugares onde as pessoas se encontram para festejar o Divino Espirito Santo, serão lugares onde as máquinas pesadas carregarão e espalharão terras, pedras e vergalhões de ferro. A vida “pacata” ficará somente na lembrança, assim como a capela, a escola, o cemitério, as rezas, os cantos do Divino.

As festividades religiosas do Divino, que tem suas raízes europeias (século XIII), trazidas pelos imigrantes portugueses ainda no período colonial, passaram por readaptações adquirindo características específicas e locais, com influências africanas e populares, onde se entrelaçam práticas sagradas e profanas (SOUSA, 2013; SANTOS, 2015). Ali na vila Espírito Santo, foi a família de dona Maria da Conceição Chavito, hoje falecida, que iniciou o festejo conforme relata sua filha Miriam Andrade, atual Imperadora das festividades. A sua família começou a festejar com a sua avó Dona Maria Elize Chavito, passando de geração em geração. “A gente vai tentando dar continuidade, porque eu sei que é uma tradição familiar, a gente tem que cultivar essa cultura, não é fácil, mais a gente não pode parar”, conta Miriam Andrade, em entrevista concedida no dia 05/06/2017.

Na vila Espírito Santo, sobretudo os moradores mais antigos, entre eles, aqueles que nasceram na vila e levam a vida como pescadores, ribeirinhos de ilhas nas margens adjacentes à vila se envolvem no processo de organização dos festejos. Sobre essa questão o Sr. Joaquim Moreira, um morador antigo assim nos falou: “chamei a Conceição pra gente levantar a igreja, pra festejar o divino, porque festejava só nas casas, ai levantamos essa igreja em 1983. Daí pra cá começou os festejo todos os anos” (Joaquim Moreira, 19/03/2020). A Capela da vila é resultado de um trabalho coletivo em razão das festividades que acontecem todos os anos atraindo devotos de vários lugares.

O sr. José de Ribamar nos relata que chegou à vila no “tempo dos castanhais”. Para ele, a vila Espírito Santo é um lugar tranquilo para se morar e não consegue se ver morando em outro lugar: “aqui é um lugar tranquilo eu vou na cidade apenas para comprar alimentos, pois aqui as coisas são caras, mas não me vejo morando na cidade, sinto uma tristeza enorme por sair do meu lugar” (entrevista concedida em 24/02/2014). Já o sr. Aluísio Ferreira, outro morador da comunidade, relata que não gostaria de ser retirado da vila: “tenho uma roça no fundo do quintal onde planto minhas hortaliças, criei todos os meus filhos aqui, pretendia criar meus netos também, mas parece que não vou ter essa oportunidade” (entrevista concedida em 06/06/2017).

Nesse sentido, são pertinentes as reflexões que Saquet (2009) e Haesbaert (2002) fazem a respeito do território que pode nos ajudar a entender as dinâmicas da vila Espírito Santo e as Festividades do Divino Espírito Santo impactados diretamente pela Hidrelétrica de Marabá. Segundo esses geógrafos, o território é entendido enquanto produto de apropriação do espaço estabelecido não somente por relações econômicas e de poder, mas também por relações sociais e culturais, tornando o espaço uma referência para a construção de identidades e de resistências (SAQUET, 2009; HAESBAERT, 2002).

Para Little, ao discutir a noção de território é fundamental não esquecer os vínculos sociais, simbólicos e rituais que diversos grupos sociais mantem com os seus ambientes biofísicos. Nesse sentido, deslocar esses grupos sociais para um outro lugar, significa interferência nos seus modos de vida e naquilo que dá sentido às suas vidas: a relação com o lugar. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Hidrelétrica de Marabá afetará diretamente a Vila Espírito Santo e diversas outras vilas, povoados e comunidades às margens dos rios Tocantins e Araguaia: mais de 40.000 pessoas serão deslocadas de seus territórios.

O deslocamento compulsório dos moradores resultará não só em perdas econômicas, materiais e ambientais, mas também simbólicas e afetivas, uma vez que afetará diretamente as festividades do Divino Espírito Santo que reúne moradores da vila e devotos da região. Com a destruição da vila e deslocamento dos moradores para um outro espaço, essas festividades poderão deixar de existir enquanto manifestação religiosa, reafirmação e construção de laços socioculturais e de identidades dos moradores da Vila Espírito Santo.

AGRADECIMENTOS 
À Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas- Fapespa pela concessão da bolsa de estudos a mestranda.

REFERÊNCIAS
CANTEIRO de obras vai engolir a pacata vila Espírito Santo, Correio do Tocantins, Marabá -PA, 01 de julho de 2013.

HAESBAERT, Rogério. Territórios alternativos. Niterói: EDUFF, 2002.

LITTLE, Paul. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro, p. 251-290, 2004.

MARABÁ (PA). Secretaria do Meio Ambiente. Coordenadoria de Planejamento Ambiental. Estudo de Impacto Ambiental – EIA, Relatório de Impacto Ambiental – RIMA. Manual de Orientação. Marabá, Série Manuais, 2013.180 p.

RAFFESTIN, Claude. O território e o poder. In:_____. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. p. 143-222.bSANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: USP, 2008.

Comentários

  1. Parabéns pela pesquisa em andamento Priscila. Seu trabalho faz lembrar do complexo de barragens do belo em Altamira (PA). Onde o discurso instrumental da necessidade do empreendimento é extremante sedutor, no passo que essa sedução provoca inúmeros estragos sociais, ambientais, culturais e neste analisa uma festividade religiosa, enfraquecendo toda e qualquer tipo de organização e movimento que lá surge com esse deslocamento que altera toda paisagem. O fundamento principal baseia-se no desenvolvimento que não produz envolvimento social. As audiências públicas ocorrem para legitimar o processo, tem caráter consultivo. Mas, tudo já foi deliberado. As questões primeiras que se faz é para que? e para quem? Acrescento: Porque fazer? Refletindo...

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    1. Obrigada, sim as audiências acontecem mais nem todos tem a oportunidade de participar, entretanto as emergências se fazem, apesar de não adentrar muito essa questão dentro da pesquisa.
      O mito do "progresso e desenvolvimento" perpassa todas as questões pensadas para a Amazônia, e que se fortificou na falácia do "vazio" , pensaram o território sem pessoas, o que causa danos as populações tradicionais até os dias de hoje.
      Diante dessa questões pensar as pessoas que habitam esses territórios se faz muito pertinente, pensar suas relações sociais e culturais que sempre foram exploradas e invisibilidades nesse processo.

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  2. Parabenizo pela pesquisa Priscila, como em sua pesquisa ate o momento você visualiza a participação das mulheres na realização da festa do divino? Observei que você informa nomes de " Maria da Conceição Chavito e Maria Elize Chavito, a partir da narrativa da Miriam Andrade, atual Imperadora das festividades, quais as presenças mais marcantes que reivindicam essa preservação das praticas do divino? A relação com a oralidade apresenta alguma predominância de gênero? Raíssa Ladislau Leite

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    1. Obrigada.
      A comunidade se esforça durante um ano inteiro para a manutenção dos rituais que acontecem durante os 9 dias de festejo, eles e inclusive a atual Imperadora Miriam e Seu Joaquim pai de Miriam, buscam fazer os rituais assim como dona Maria Elize faziam, todos os processos e horários.
      Não falo predominância de gênero, existem rituais feitos pelas mulheres e rituais feitos pelos homens, mas essa questão de gênero nas festividades do Divino dariam outra dissertação kkkk.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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