OS GRANDES EIXOS RODOVIÁRIOS E OS PORTOS FLUVIAIS: NOVAS ROTAS DO ESCOAMENTO DAS COMMODITIES

Thiago Oliveira Neto

A proposta do governo brasileiro entre as décadas de 1960-1970 ficou centrada na construção das rodovias para estabelecer uma integração territorial. Esses projetos rodoviários não estavam desarticulados, havia, paralelamente à abertura das rodovias, a implantação dos projetos de extração de recursos minerais, florestais e de ocupação, por meio da colonização do Incra e das empresas privadas. 

Após décadas da construção dessas rodovias e da retomada do projeto de conclusão de algumas parcialmente construídas e houve a inserção de novas dinâmicas agrícolas no país, com o aumento da produção de commodities agrícolas com o direcionamento de escoamento para o rio Amazonas com controle empresarial nos fluxos e na montagem de sistemas de engenharia portuários e demais fixos, de forma articulada, fomentaram o corredor de exportação de grãos pelo rio Madeira e outro pela rodovia BR-163 e o rio Tapajós. 

O Estado não somente constrói grandes rodovias, como busca a conclusão dos principais eixos de circulação não pavimentados. Contudo, nota-se a inserção de vários portos na bacia Amazônica, para permitir o transporte fluvial e marítimo da produção de grãos, oriunda do Centro-Oeste.

Portos articulados ao escoamento das commodities
Uma parte da Amazônia brasileira a partir da década de 1990 passa a possuir corredores de exportação de commodities agrícolas sendo um projeto do Estado, para viabilizar a circulação interna no país e, como projeto extranacional, para permitir uma fluidez entre os países lindeiros com o Brasil, em especial no eixo Amazônico; ora essa circulação também é imposta pelas dinâmicas econômicas, que passaram a direcionar o escoamento da produção do Centro-Oeste para os eixos e portos que se apresentam como mais rentáveis que os tracionais corredores de exportação de commodities do Brasil, isto é: Santos, Paranaguá, Rio Grande e Vitória. 

Essa dinâmica dos fluxos e dos investimentos direcionados para a Amazônia está associada a uma inserção de dinâmicas justapostas com uma forte ligação ao mercado internacional. Em outro contexto, para Haesbaert (2010, p. 151), “o que temos que destacar dentro desse quadro contraditório entre antigas e novas dinâmicas são justamente as imbricações escalares proporcionadas, principalmente, pela diversificação dos circuitos globalizadores” Essa diversificação dos circuitos opera como polos que, ao mesmo tempo, possuem uma concentração de investimentos em um dado território e uma pulverização das infraestruturas e dos produtos de uma dada empresa, sendo que, neste último caso, sua participação passa a ser em escala global. 

Essas novas configurações espaciais significam mudanças na organização espacial do transporte de grãos, não alterando as rotas internas de escoamento como um todo, apenas uma parte, a qual é redirecionada dos eixos de escoamento, via litoral, para a bacia Amazônica, tendo o controle eminentemente privado das operações de transporte com um aparato estatal que, em uma ação conjunta, reorganizou os arranjos espaciais para fins de manutenção e de reprodução dos empreendimentos relacionados aos circuitos produtivos e de circulação das commodities. 

Toda essa organização espacial, composta pelos arranjos visíveis ou não, possui uma articulação local, regional, nacional e global, tendo, às vezes, uma atuação essencialmente local/regional, com fortes vínculos com a relação global. A rigor, a atuação das corporações internacionais e nacionais, que processam e adquirem a produção nacional, passaram a investir e a dominar as cadeias logísticas dentro do país, onde ocorre a produção e a circulação, passando a instituir um conjunto de sistemas de engenharia que viabilizam a circulação, ao mesmo tempo em que as empresas passam a verticalizar sua atuação econômica, ou ainda, estabelecendo parcerias com outras empresas por meio de joint-ventures ou por contratos. De qualquer maneira, essas corporações, que controlam diversas cadeias de processamento e de produção de alimentos, também passaram a atuar no território com o controle da circulação das commodities, com a instalação de sistemas de engenharia próprios, tendo destaque para os portos graneleiros instalados na região amazônica nas últimas duas décadas, como se pode observar a seguir, na Tabela 1.

Quadro 1: Portos Graneleiros na Amazônia Legal em funcionamento

Município

Quantidade de ETC/TUP

Empresas

Rota Fluvial

Porto Velho

4

Hermasa

Maggi- Porto Chuelo

Cargill

Bertolini

Porto Velho-Itacoatiara

Porto Velho-Itacoatiara

Porto Velho-Santarém

Porto Velho-Santarém

Porto Velho-Barcarena

Humaitá

1

Masutti - Ciagram

Humaitá – S.I

Itacoatiara

1

Hermasa

Itacoatiara-Rotas Internacionais 

Itaituba

6

Caramuru

Cianport

Cianport/LDC

Cargill

Hidrovias do Brasil

Bunge/Maggi

Bertolini 

Itaituba-Santana

Miritituba-Santana

Miritituba-Santarém*

Miritituba-Santarém

Miritituba-Barcarena

Miritituba-Barcarena

Miritituba-Santarém

Santarém

1

Cargill

Santarém- Rotas Internacionais

Santana

2

Caramuru

Cianport

Santana-Holanda

Santana-Rotas Internacionais

Marabá

1

Rio Marabá Logística

Marabá-Barcarena

Barcarena

4

Bunge/Maggi

Hidrovias do Brasil

Barcarena- Rotas Internacionais

S.I Sem Informação. *Opera na mesma ETC, porém o transbordo em Santarém é realizado no porto público. Fonte: AMBIENTARE, 2012a, 2012b, 2014, 2016.

Essas infraestruturas instaladas na Amazônia a partir da década de 1990 e com maior inserção a partir de 2010, fazem parte de um processo que não é isolado, mas de um processo de reestruturação das instalações portuárias que ocorreu mundialmente. Apesar de a própria modernização portuária, realizada pelo Estado – principalmente -, ter sido insuficiente para os operadores logísticos, ela propiciou uma modernização fruto de um dinamismo econômico, com trocas comerciais articuladas e estimulou as inovações institucionais, funcionais, operacionais e gerenciais, favorecendo a consolidação de trocas e de rotas comerciais, com a inserção de novos portos integrados à malha existente e ampliando a capacidade de movimentação de cargas. A modernização ou a inserção de novas técnicas e adequações não se limita aos portos, já que inclui as vias de circulação terrestre, sendo que ambos permitem um aumento no nível de circulação e de produtividade nos terminais portuários, pois estes já possuem uma operação vinculada a uma pressão do forte aumento no volume de commodities e de demais cargas (MONIÉ, 2015).

Vidal e Monié apontam que a reorganização mundial dos espaços produtivos fez-se acompanhar da inserção de dinâmicas comerciais específicas, com um conjunto de mudanças que incluem os novos métodos de movimentação de cargas com guindastes ou esteiras, “equipamentos com sofisticação tecnológica, mão de obra especializada” (VIDAL, MONIÉ, 2006, p. 976). Contudo, a inserção dessas novas tecnologias e a evolução logística permitiram a organização em rede da circulação, envolvendo a atuação de empresas, que operam com uma multilocalização das unidades de processamento, produção e de montagem (MONIÉ, 2011).

Se, de um lado, as novas técnicas empregadas nos portos permitiram às corporações e aos operadores logísticos o domínio de grandes redes de circulação; de outro, estes reivindicam uma maior eficiência e redução dos gargalos funcionais e gerenciais, ou seja, reduzir os entraves para a fluidez (MONIÉ, 2015). Esse é, notadamente, o caso da rodovia BR-163, vista pelos empresários como corredores de exportação e de redução de custos (SAUER; PIETRAFESA, 2013).

A inserção de novos portos na Amazônia foi uma alternativa que as empresas transportadoras e as processadoras encontraram, frente ao aumento dos fluxos de commodities agrícolas, fruto da própria expansão da produção de grãos internamente, favorecendo a tendência de terminalização de sistemas portuários nacionais, tanto portos generalistas quanto terminais especializados, inseridos em redes verticalizadas de circulação, controlados e gerenciados pelas corporações como Cargill, Bunge, Amaggi etc. (MONIÉ, 2015). 

Becker (2010, p. 19) dá destaque a uma nova forma de Estado, constituída pelo “fortalecimento do poder das corporações [e] a perda de poder pelo Estado”, na medida em que os Estados perdem “o controle sobre o conjunto do processo produtivo” com o domínio total do processo e, ainda, vincula frações do território à gestão privada. Nesse sentido, uma das principais mudanças da atuação do Estado pode ser observada pela sua respectiva atuação na produção do Espaço, antes constituída pela materialização de sistemas de engenharia, como as rodovias, os portos e aeroportos, observando-se, depois de quatro décadas, uma atuação também das corporações, que passaram a inserir sistemas de engenharia voltados à circulação, numa região onde os portos são de realização do Estado.

Considerações finais
As interações espaciais entre as cidades e as demais vilas e distritos se tornaram mais complexas. Considera-se que essa dinâmica está vincula ao processo de consolidação do eixo principal de circulação e pelo aumento demográfico e de serviços, que passaram a existir ao longo da rodovia BR-163 e BR-230. Entende-se que esses deslocamentos correspondem a uma dada necessidade, correspondente ao transporte de carga para o consumo interno dos aglomerados urbanos ou o escoamento da produção local, envolvendo, ainda, a formação de polos geradores de fluxo de passageiros, o que corrobora para a existência e até o estabelecimento de linhas regulares de ônibus, as quais passam a interligar diversas vilas, distritos e cidades ao longo dos eixos rodoviários. Além desses eixos, existe uma dinâmica de fluxos que ocorrem nos rios interconectados com as rodovias, tendo embarcações que realizam o deslocamento de cargas e pessoas, permitindo um deslocamento das cargas para o mercado mundial. 

Bibliografia: 
AMBIENTARE. Relatório de Impacto Ambiental: Terminal de Uso Privativo Misto da Vila do Conde. Hidrovias do Brasil. Brasília: Ambientare, 2012a 

AMBIENTARE. Relatório de Impacto Ambiental. Estação de Transbordo de Carga ETC Itaituba. Cianport. Brasília: Ambientare, 2012b

AMBIENTARE. Relatório de Impacto Ambiental. ETC Rurópolis. Bertolini. Brasília: Ambienare, 2014a. 

AMBIENTARE. Relatório de Impacto Ambinetal. Terminal LDC Tapajós. LDC. Brasília: Ambientare, 2016. 

BECKER, Bertha K. Novas territorialidades na Amazônia: desafio às políticas públicas. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 5, n. 1, p. 17-23, 2010.

MONIÉ, Frédéric. As cidades portuárias diante do imperativo de fluidez: território, circulação e reestruturação das hnterlândias dos portos. In: ARROYO, Mónica; CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Território e Circulação: a dinâmica contraditória da globalização. São Paulo: Annablume, 2015, pp. 103-128. 

SAUER, Sauer; PIETRAFESA, José Paulo. Novas fronteiras agrícolas na Amazônia: expansão da soja como expressões da agroestratégias no Pará. Acta Geográfica, Edição Especial “Geografia Agrária”, 2013, pp. 245-264.

Comentários

  1. Querido Thiago, você usa como referência o conceito de sistema de engenharia para pensar os grandes eixos rodoviários e portos fluviais na Amazônia. A noção de sistema de engenharia é do prof. Milton Santos. Diante da sua pesquisa, é possível trazer novos elementos para atualizar a noção de sistema de engenharia a partir da realidade da Amazônia?

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  2. Acredito que essa noção utilizada pelo Milton Santos ainda permite compreender a inserção das infraestruturas na Amazônia. Pensando a partir da realidade amazônica essa noção pode ser trabalhada e retrabalhada não somente para os grandes sistemas de engenharia como também os pequenos sistemas como escola, pequenos portos fluviais, etc.

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