NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE A PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA HABITACIONAL DO SEGMENTO ECONÔMICO EM MANAUS (AM)

Fernando Monteiro Melo, Programa de Pós-graduação em Geografia-PPGGEOG, Universidade Federal do Amazonas, fernando.monteirogeo@gmail.com
Paola Verri de Santana, Programa de Pós-graduação em Geografia-PPGGEOG, Universidade Federal do Amazonas, pvsantana@ufam.edu.br

Na atualidade, a produção do espaço urbano tende a ser subordinada aos interesses do capital. Esse processo produtivo possui articulação direta com o padrão de acumulação do capitalismo contemporâneo, possuindo manifestações específicas sobre o espaço urbano produzido nas cidades e em distintas escalas de análise que variam do local ao global. Por se tratar também de um processo social, a produção do espaço tende a reproduzir de forma acentuada as contradições do capital, o que implica diretamente na forma de viver dos homens nas cidades contemporâneas. Isso porque, o espaço urbano produzido a partir dessa lógica tende a ser concebido enquanto mercadoria. Um espaço cada vez mais fragmentado e de desigual apropriação, em que a produção do espaço urbano e o próprio processo de consumo desse produto, o espaço urbano, é destinado aos que possuem poder aquisitivo.

No seio dessa lógica produtiva que dita os caminhos da produção do espaço urbano da atualidade, o setor imobiliário habitacional surge como o principal sujeito produtivo dos espaços urbanos que compõem as cidades contemporâneas. O setor imobiliário e a sua produção, essencialmente habitacional, está posta como mecanismo de possibilidade à circulação e reprodução do capital. Ao concebermos o setor imobiliário habitacional como sujeito produtor do espaço urbano na atualidade, levamos em consideração o que aponta Silva (2016, p. 39), ao afirmar que, as transformações econômicas e políticas que ocorreram no seio da acumulação do capital resultaram em alterações na sociedade, na qual é possível destacar a produção espacial das cidades. Para a autora, antes, a produção espacial seguia a lógica produtiva, que tinha a atividade industrial como a principal indutora, no hoje, no imperativo das finanças essa dinâmica é alterada, intensificam-se a produção e o consumo do espaço urbano como negócio, quando a cidade tende a ser “vista como mercadoria e a produção do seu espaço como meio de garantir lucros, juros e rendas” (SILVA, 2016, p. 39).

As transformações espaciais, as reestruturações imobiliárias que dão novas faces aos espaços produzidos na cidade são fruto dessa lógica de reprodução do capital. Justamente porque, as transformações espaciais tendem a obedecer a lógica da reprodução do capital, na qual, “a ação desses sujeitos serve ao propósito dominante da sociedade capitalista, que é o da reprodução das relações de produção, implicando na continuidade do processo de acumulação” (CORRÊA, 2005, p. 12). 

Nesse sentido, o objetivo do presente texto é introduzir alguns apontamentos acerca da dinâmica produtiva que dita os caminhos do setor imobiliário habitacional em Manaus, tomando como ponto de partida o processo de valorização do capital, justamente porque a produção do espaço a partir das lógicas de reprodução capitalistas objetiva a própria valorização do capital, ou seja, possui implicações diretas no processo de produção e reprodução do espaço urbano de Manaus (AM). 

A metrópole Manaus, como escala espacial de análise, está inserida na concepção de que, na cidade moderna, o modelo de centro urbano é adequado ao desenvolvimento das relações sociais capitalistas, e na contemporaneidade os espaços urbanos dão passagem aos novos usos e necessidades. As características que a cidade possui em sua forma social são a base do processo de valorização do capital na atualidade, processo esse que se manifesta de forma geral, mas se reproduz suas especificidades em Manaus. As condições existentes no espaço urbano o favorecem quando se trata do processo de valorização do capital pela produção e reprodução manauara. 

A crise capitalista e as novas lógicas de acumulação do capital se articulam à produção do espaço urbano na atualidade. A ascensão do chamado capitalismo contemporâneo, segundo Costa e Godoy (2012), como a fase em que se desenvolveram e se desenvolvem as respostas para as crises que, desde os anos 1960 e 1970 têm se intensificado na dinâmica produtiva capitalista, resultou em transformações nas lógicas produtivas, nas relações sociais e nas ações do Estado sobre a forma de se produzir o espaço urbano. O que se coloca aqui como necessidade é compreender essas transformações gerais na lógica de acumulação, nos padrões de acumulação capitalista que ditam os caminhos da produção do espaço em sua totalidade. O conjunto das características que compõem a atual fase do modo de produção vigente, denominado de capitalismo contemporâneo, se apresenta com expressivas transformações espaciais, como frutos diretos da lógica de reprodução do capital. O próprio desenvolvimento de um processo de acumulação com base na financeirização, como afirma Paiva (2007), é o principal o responsável por tais alterações na forma de organização produtiva do capital e na formação de riqueza social na contemporaneidade. E que, a articulação entre o setor imobiliário e o capital financeiro “assume no capitalismo contemporâneo uma dimensão importante para a dinâmica capitalista” (PAIVA, 2007, p. 79), possibilitando o entendimento da lógica da produção espacial das cidades contemporâneas, ou seja, da compreensão da produção do espaço urbano via setor imobiliário habitacional. 

Discutirmos o processo de produção e reprodução do espaço urbano de Manaus nos leva a compreender esses ditames que acima estão expostos. Partimos diretamente para a análise das transformações espaciais da cidade de Manaus a partir da questão da moradia e da produção habitacional. Sustentamos a ideia de que, o processo de expansão urbana de Manaus e das transformações espaciais que a cidade vem passando, seguem articuladas com a produção do espaço urbano manauara por meio da produção de moradias, ora i) pelo Estado e, posteriormente, ii) pelo mercado imobiliário habitacional. O primeiro processo se evidencia de forma mais expressiva, como reflexo direto da ocupação que se dá de forma espontânea e/ou de forma orientada por políticas públicas que resultaram nos conjuntos habitacionais, impulsionando a expansão urbana da cidade. Dos programas criados pelo Banco Nacional da Habitação, em 1964 e extinto em 1986, destacam-se os programas COHAB (1966) e o PROMORAR (1982) como os que tiveram mais influência na reconfiguração do espaço urbano manauara entre as décadas de 1960 e 1990, sendo por meio deles que se deram as construções dos conjuntos habitacionais em Manaus. O segundo processo se dá pela ausência de um agente produtor público, papel este que antes era empregado às Companhias Metropolitanas de Habitação - COHAB, associações e cooperativas, e que, agora, aparecem novos agentes atuantes nesse processo: a instituição financeira Caixa Econômica Federal e as empresas (construtoras), que ganham centralidade em detrimento dos órgãos e instituições responsáveis pelas políticas urbanas (SANTOS, 2016). Processo esse que, segundo Shimbo (2016, p. 119), ocorreu numa inédita aproximação “entre legislação, instituições públicas, recursos financeiros e cadeia produtiva da construção, que já vinham se movendo com diferentes velocidades desde os anos 1990, o que colocou a produção de habitação em outro patamar de acumulação de capital”, resultando no surgimento do chamado “segmento econômico” da produção imobiliária habitacional. Esse seguimento econômico ofuscou “as fronteiras de distinção entre produção da habitação de interesse social (promovida pelo Estado) e aquela voltada para a habitação de mercado, formando uma zona intermediária híbrida — a habitação social de mercado” (SHIMBO, 2016, p. 120).

Tal compreensão se manifesta como caminho de elucidação aos processos espaciais que apontam claras tendências de segregação, periferização ou adensamento de áreas urbanas já consolidadas da cidade manauara. A produção espacial da cidade de Manaus segue ligada à dinâmica do setor imobiliário habitacional. O processo de apropriação da parcela do solo urbano manauara concretiza a realização da dinâmica de acumulação capitalista mundializada que se faz presente no processo de produção da cidade, em sua totalidade, na qual, “a presença de novos atores, assim como diferentes valorizações e práticas produtivas [...] permite refletir sobre a ação do setor imobiliário na produção da cidade” (UEDA, 2006, p. 93), estando o processo de valorização do capital ligado à produção dos conjuntos de espaços e lugares que compõem todo o espaço urbano da cidade manauara. 

O que nos leva a discutir sobre os novos espaços de investimentos do mercado imobiliário habitacional em Manaus, através da identificação dos caminhos da produção imobiliária habitacional manauara, buscando destacar quem são os sujeitos atuantes nesse caminhar produtivo e, respectivamente, os seus produtos imobiliários habitacionais que se concretizam no espaço urbano de Manaus, influenciando diretamente nas transformações espaciais da cidade. Identificamos a atuação do segmento econômico do mercado imobiliário habitacional, que se desdobra sob duas faces produtivas, uma composta por grandes construtoras e incorporadoras que atuam na produção habitacional via o Programa Minha Casa Minha Vida, enquanto noutra, a atuação produtiva se dá por parte de pequenas construtoras locais e informais, em sua grande maioria constituídas por pessoas físicas, e a comercialização se dando por conta de corretores autônomos ou pequenas imobiliárias. Em relação ao segmento econômico do mercado imobiliário habitacional, a sua lógica é empregada na produção habitacional de empreendimentos com valores até R$ 200 mil reais, tendo como alvo as famílias com renda mensal entre três e dez salários mínimos. E que, como resultante desse novo eixo produtivo, somente no ano de 2006 foram lançadas cerca de 8.500 unidades habitacionais em diversas cidades brasileiras, quantitativo que, no ano de 2008, o número de unidades habitacionais para o chamado segmento econômico, salta para a faixa de 78 mil unidades habitacionais produzidas (SHIMBO, 2010).

Destacamos a presença de pequenas construtoras e cooperativas atuando nos espaços periféricos da cidade, mais especificamente na Zona Norte, como no caso da Imobiliária Manaus Habitar, da Forte Construtora e da Construtora e Incorporadora Leal. Enquanto que, nos espaços centrais e de maior valor do solo urbano, há a presença de construtoras e incorporadoras com maior rotatividade de capital, como é o caso da Direcional Engenharia e da Morar Mais Incorporadora, atuando de forma mais direta nas transformações espaciais de Manaus. O que nos leva a discutir que, na lógica capitalista da produção do espaço urbano, a cidade está a se redefinir. Espaços que anteriormente eram tidos como periféricos, áreas de pouco ou sem interesse do mercado imobiliário, acabam por adentrar ao rol do mercado de terras, gerando espaços de valorização para o capital imobiliário. Esse processo pode acontecer sob duas formas: i) a partir do surgimento de novos espaços que influenciam na expansão urbana da cidade e/ou ii) a partir da reestruturação dos espaços já consolidados dentro da cidade. Em Manaus, o mercado imobiliário tende a locomover suas ações para novos espaços que estão a oferecer novas rentabilidades, espaços esses anteriormente não tidos como interesse, tanto ao mercado de terra, quanto ao mercado imobiliário. A partir dessa nova guinada de interesse, e por serem espaços onde o mercado imobiliário tende a não empregar uma grande quantidade de técnicas e de capital, esses determinados espaços passam a adentrar cada vez mais no eixo de valorização do capital imobiliário na cidade manauara, influenciando diretamente na produção do espaço urbano, a partir de uma reestruturação imobiliária. 

A reestruturação imobiliária e, consequentemente, do espaço urbano, adentra em nossa interpretação a partir da identificação das novas dinâmicas imobiliárias que se manifestam em Manaus. Ou seja, estando Manaus articulada com processos gerais que condicionam a realidade local, esta sofre também as transformações que têm reconfigurado as cidades contemporâneas em que, a noção de reestruturação imobiliária nos auxilia na compreensão dessas mudanças. Isso porque, a noção de reestruturação imobiliária nos apresenta uma “síntese dos movimentos do capital e da propriedade da terra na produção e apropriação do espaço e do valor que resulta dessas tensões entre os processos locais e os processos globalizados” (PEREIRA, 2013, p. 97). 

A hipótese que coaduna com a nossa conclusão é que, o mercado imobiliário habitacional de Manaus possui a tendência de avançar com suas práticas produtivas para a Zona Norte da cidade, justamente por esta possuir as possibilidades e as condições necessárias para a valorização do capital imobiliário, sejam elas (a valorização) efetivadas por grandes ou pequenas construtoras. A noção de reestruturação imobiliária nos auxilia a compreender os novos padrões e rumos da produção do espaço urbano manauara via mercado imobiliário habitacional, tendo como sujeito principal os agentes do segmento econômico. Ao identificarmos a Zona Norte de Manaus como um espaço de novos investimentos desse mercado, se torna essencial compreendermos esse processo em sua totalidade, buscando evidenciar a simultaneidade desses processos que atuam diretamente na desestruturação e estruturação do espaço urbano manauara.

Referências bibliográficas
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 2005.

COSTA, Pedro Henrique Ferreira. GODOY, Paulo Roberto Teixeira. As marcas das metamorfoses do capitalismo contemporâneo e suas implicações no espaço geográfico: o caso do Wal-Mart. Espaço e Economia. Revista Brasileira de Geografia Econômica, v. 1, p. 2-10, 2012.

PAIVA, CLAUDIO CESAR DE. A disporá do capital imobiliário, sua dinâmica de valorização e a cidade no capitalismo contemporâneo: a irracionalidade em processo. Tese (doutorado) – Instituto de Economia, UNICAMP. Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007.

PEREIRA, Paulo Cesar Xavier. Metropolização, reestruturação imobiliária e reconfiguração da cidade de São Paulo. In: FERREIRA, Alvaro [et al.]. Metropolização do espaço: gestão territorial e relações urbano-rurais. Rio de Janeiro: Consequência, 2013. Cap. 5, p. (97-107). 

SILVA, Vânia da. A dinâmica da incorporação imobiliária na produção espacial em Cuiabá - MT. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Campinas, SP, 2016. 

SHIMBO, Lúcia Zanin. Grandes empresas construtoras e habitação no Brasil: suas formas de produção e circulação. In: Paulo Cesar Xavier Pereira. (Org.). Reconfiguração das cidades contemporâneas: contradições e conflitos. v. 1. São Paulo: FAUUSP, 2016, p. 71-88.

_____. Sobre os capitais que produzem habitação no Brasil. Novos Estudos. CEBRAP, v. 35, p. 118-133, 2016.

_____. Habitação social, habitação de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro. Tese (Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2010.

UEDA, Vanda. O mercado imobiliário na cidade de Porto Alegre (RS): os novos empreendimentos e as suas transformações no espaço urbano. In: Rogério Leandro Lima da Silveira, Paulo César Xavier Pereira, Vanda Ueda. (Org.). Dinâmica imobiliária e reestruturação urbana na América Latina. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2006, pp. 92-115.

Comentários

  1. Parabéns pela pesquisa Fernando. O fenômeno urbano, entende-se como fruto da movimentação do ser humano, onde o sistema capitalista produz adaptações e desloca-se estrategicamente. Em seu estudo foi identificado se há a prevalência das empresas imobiliárias está ligado a proximidade de grandes projetos? No caso, da zona franca, e se esta é a característica mais relevante?
    Rodrigo Bruno de Sousa

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    1. Olá, Rodrigo. Boa noite. Obrigado pelo seu comentário.

      Não, nos resultados obtidos em nossa pesquisa não há a presença/ligação/articulação dessa produção imobiliária habitacional com os chamados grandes projetos. Aliás, no caso da ZFM, o processo em evidência, das grandes construtoras e incorporadoras junto com os pequenos construtores locais e informais, nos aponta novos horizontes da produção do espaço urbano manauara totalmente oposto à concepção da cidade resultante do processo industrial. O que nos leva a pensar na ideia da cidade como negócio, onde o processo de financeirização passa a reger os ditames da produção imobiliária em Manaus.

      Esse processo se torna mais evidente com a atuação das grandes construtoras e incorporadoras, como a Direcional e a Morar Mais, que atuam por meio do PMCMV, com a gama de instrumentos financeiros possibilitados por esse segmento econômico. Enquanto que, na parte das pequenas construtoras locais e informais já identificamos um modus operandi que beira a informalidade, com relações mais diretas entre produtor e consumidor.

      Agradeço novamente pela questão, meu caro.
      Quaisquer questões, podemos conversar por email: fernando.monteirogeo@gmail.com

      Abraços.

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