DINÂMICAS DISCURSIVAS DE ARQUIVO MIDIÁTICO EM BLOGS DA MESORREGIÃO SUDESTE DO PARÁ

ARAUJO, Kélia Lima dos Santos, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia (PDTSA) da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), keliaaraujo@unifesspa.edu.br
RIBEIRO, Nilsa Brito, Professora Doutora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), nilsa@unifesspa.edu.br

Introdução
Este trabalho tem como objetivo principal analisar discursivamente blogs de notícias da mesorregião Sudeste do Pará, destacando relações interdiscursivas com a mídia brasileira considerada hegemônica, na construção do arquivo midiático sobre as dinâmicas socioterritoriais da região. No percurso teórico-metodológico, buscamos fazer uma abordagem acerca do surgimento da mídia, pontuando novas práticas comunicacionais, como o Webjornalismo e os blogs. Selecionamos quatro blogs de notícias da mesorregião sudeste do Estado do Pará, sendo dois de Marabá-PA, um do município de Redenção-PA e um da cidade de Parauapebas-PA. Situamos nossas reflexões teóricas no domínio da Análise do Discurso de tendência francesa, destacando as contribuições de Michel Foucault como os conceitos de arquivo, autoria e comentário. 

Na tentativa de compreendermos o funcionamento discursivo dos blogs em análise, formulamos as seguintes perguntas norteadoras da pesquisa: Qual a relação discursiva entre blogs da mesorregião sudeste paraense e a mídia hegemônica nacional? Como esta relação contribui para a constituição de um arquivo midiático sobre questões sócio territoriais nessa região? Para responder as questões, partimos da hipótese de que os blogs a serem analisados, ainda que possam se anunciar alternativos à grande mídia, mantêm permanente relação com esta através de um diálogo com temas e objetos de notícias, estilo de produção, modos de circulação e, até mesmo, posições ideológicas.

Os conceitos de comentário nos permitiram organizar um corpus em torno dos principais temas que afetam a vida política, educacional, ambiental, etc. desta região, numa relação interdiscursiva com a “grande mídia” brasileira. O capítulo de análise em construção pretende abordar a constitutividade do discurso produzido pelas mídias, destacando as funções estratégicas colocadas em funcionamento na construção do arquivo midiático, a partir de três eixos: a autoria e constituição de um ethos midiático; a relação interdiscursiva dos blogs com outras mídias por meio do comentário; a constituição do arquivo midiático regional pela seleção de temas regionais. 

1. Fundamentação teórica
Em relação à mídia, pretende-se mostrar uma evolução histórica, a partir de trabalhos de Thompson (1998) e Briggs; Burke (2006), que pontuam que “a mídia precisa ser vista como um sistema, um sistema em contínua mudança, no qual elementos diversos desempenham papéis de maior ou menor destaque” (p.15). A partir das contribuições da banca de qualificação, busca-se relacionar a história da mídia de forma mais crítica, para além dos meios, pontuando o papel das mediações, com principalmente o trabalho de Martin-Barbero (1997). 

Como os blogs são práticas comunicacionais do ciberespaço, o trabalho fundamenta-se principalmente também em Castells (1999, 2003) e Henry Jenkins (2009). O trabalho busca refletir sobre a hegemonia gramsciana para entender os processos de maneira interdiscursiva coma mídia hegemônica. 

O trabalho é fundamentado teórica e metodologicamente na Análise do Discurso de Linha Francesa, a partir principalmente das contribuições de Foucault (1996, 2001, 2008, 2010), acerca dos conceitos de controle do discurso, como comentário e autoria, pois Foucault declara que “em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída” (FOUCAULT, 1996, p. 8-9), e o conceito de arquivo. Para o Foucault, é a partir da multiplicidade de práticas discursivas, que os enunciados, enquanto “acontecimentos singulares” e “coisas”, tornam-se possíveis de serem instaurados como extensão de um sistema chamado de arquivo. Esse sistema permite que discursos sejam ditos e agrupados diferentemente, sem serem acumulados, esquecidos em uma espécie de limbo, evitando que desapareçam acidentalmente (FOUCAULT, 2008). Em relação ao comentário e função-autor, são conceitos oriundos no que Foucault trabalhou como procedimentos de controle do discurso, que tanto podem ser internos, quanto externos, isto porque ele formula a hipótese de que em todas as sociedades “a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” (FOUCAULT, 1996, p. 8-9).

Para nível de entendimento, os mecanismos de exclusão externos aos discursos são a interdição, a separação (rejeição) e a vontade de verdade. Ou seja, são procedimentos de controle de discursos que se originam nos espaços institucionais, nas esferas sociais, através de rituais, regras, disciplinas, proibições, etc. Já os procedimentos internos produzem coerções internas ao próprio discurso, controlando-o delimitando-o. Esses procedimentos são o comentário, o autor (autoria), que constitui o sujeito falante dentro da discursividade; e a organização da disciplina. 

O princípio do comentário parte da compreensão de que nem todo discurso é puramente novo, mas se constitui convocando já-ditos. De acordo com Foucault, alguns discursos são mais convocados e reconvocados do que outros, por serem mais merecedores de retomada, por serem mais privilegiados socialmente, ou seja, porque exercem mais poderes. Portanto, o comentário é um procedimento de manutenção do discurso, através do qual, os discursos “legítimos” são reatualizados, na sociedade. 

Outro procedimento de controle interno trabalhado por Foucault (1996) é o princípio autor. Foucault, ao abordar o sujeito-autor, enquanto princípio de controle interno do discurso, não trata de uma noção de autoria atribuída ao indivíduo que fala ou escreveu um texto. Para ele, a autoria não pode ser conferida a todos os discursos, alguns como os decretos e contratos que requerem uma assinatura, não possuem necessariamente autores. Já outros discursos, como os literários, científicos e filosóficos gozam da função-autor como exigência ou necessidade de atribuição. 

Em outra perspectiva de autoria, Orlandi (1999, p.76) estabelece que o sujeito, a partir da relação exterior e interior com o texto, assume uma identidade de autor, processo que ela chama de assunção de autoria, o que implica “uma inserção do sujeito na cultura, uma posição dele no contexto histórico-social”. Além disso, o trabalho procura trazer o conceito de ethos midiático, proposto por Dominique Maingueneau (2004, 2008) para entender o processo de construção da imagem de si dos blogueiros selecionados. 


2. Resultados alcançados
Por se tratar de uma pesquisa em andamento, o corpus, formado de notícias de quatro blogs da mesorregião Sudeste do Pará, está previamente organizado em três eixos discursivos: a constituição da autoria e do ethos jornalístico; a relação interdiscursiva do blogs com outras mídias por meio do comentário; a constituição do arquivo midiático regional pela seleção de temas regionais. No primeiro eixo nas análises vão privilegiar, na textualidade discursiva dos blogs, a constituição da autoria e do ethos jornalístico, focalizando o perfil dos sujeitos produtores dos blogs e o estilo por eles adotados na produção de cada blog. O segundo eixo nos permitirá analisar como os blogs estabelecem relações interdiscursivas com a grande mídia brasileira, através dos comentários de temas preferidos pela mídia nacional. Nosso interesse é analisar sentidos produzidos nessa relação interdiscursiva. No terceiro eixo nos voltaremos, especificamente, para os blogs, identificando quais temas são privilegiados por essa mídia e como esses temas colaboram para a constituição de um arquivo político-midiático desta região, evidenciando posições ideológicas, jogos de verdade e relações de contradição que esses temas evidenciam. Como as análises ainda estão em construção, trazemos o perfil de um blogueiro, buscando mostrar algumas percepções do ethos da imagem de si que se pretende mostrar, e uma reportagem de um dos blogs. 
Figura 1 - Perfil no Blog do João Carlos
Acesso: 29/03/2020

O perfil do blog do João Carlos que está disposto na aba denominada “sobre”, destaca suas competências e qualidades para atuar na comunicação, como ser jornalista, bem como o tempo de experiência no ramo, com mais de 30 décadas de atuação nesse campo, e as funções já desempenhadas, a exemplo de ter passado pela redação, edição, direção de outros veículos de comunicação e ser colunista (figura 1). Esse enaltecimento das qualidades do autor faz parte do propósito do gênero perfil que é “falar do indivíduo, de sua vida, seu itinerário, seu trabalho, acentuando seus méritos e quali
dades” (CUNHA, 2012, p.46). De acordo com Maingueneau (2004), o discurso é inseparável de uma “voz” que revela sentidos que remetem ao próprio sujeito do discurso, traçando lhe identidades, enquanto efeitos de sentido impostos pela formação discursiva a que o sujeito do discurso se filia. Nesse sentido, é que para a Análise do Discurso, o ethos se constitui do que é dito e do “tom” do que é dito. “Esse tom permite ao leitor construir uma representação do corpo do enunciador (e não, evidentemente, do corpo do autor efetivo)” (Ibidem, p.98). Por isso, entendemos que a noção de ethos pode favorecer uma análise acerca dos autores dos blogs, assim como do funcionamento discursivo dos próprios blogs. 


A figura 02 mostra que um dos temas comentados entre os blogs analisados refere-se à morte do prefeito de Tucuruí, Jones William, ocorrida no dia 25 de julho de 2017. O assunto teve repercussão regional porque, além da factualidade da notícia, em anos anteriores, outros dois prefeitos de cidades vizinhas já havia sido assassinados (o prefeito de Goianésia do Pará, João Gomes da Silva, conhecido como "Russo" em janeiro de 2016 e o prefeito da cidade de Breu Branco, Diego Kolling, em maio de 2017). 

O blog de Hiroshi Bogéa divulgou o fato em 9 publicações. A primeira delas foi uma curta notícia autoral, publicada no dia do ocorrido, 25 de julho de 2017. Já o blog Otávio Araújo publicou seis reportagens sobre o assunto. A primeira, também autoral, no dia do assassinato. As demais notícias publicadas por esses blogs são extraídas da grande mídia. 

O princípio do comentário, conforme elucida Foucault (1996), se estabelece também em um processo de solidariedade entre discursos, possibilitando novos discursos internos a uma mesma Formação Discursiva. Ele explica que essa relação do comentário entre o texto primeiro e texto segundo, a qual pode trazer à tona em um o que estava silenciado no outro, é uma relação marcada por deslocamentos, próprio do comentário. Assim Foucault (1996, p. 25) conclui: “A repetição indefinida dos comentários é trabalhada do interior pelo sonho de uma repetição disfarçada”.

Esse procedimento se materializa através de processos de interdiscursividade e de intertextualidade, de tal forma que o novo acontecimento, nesse caso de intertextualidade, pode aparecer a partir de uma (re) atualização do que foi dito, como pontua Foucault (2005) ao destacar que “não há enunciado que, de uma forma ou de outra, não reatualize outros enunciados” (p. 111). Nesse sentido o nosso intuito é analisar como se dá o comentário em reportagens que tratam de assuntos que foram divulgados nos quatro blogs, promovendo uma intertextualidade entre eles, assim como a construção de uma rede de sentidos sobre o tema. 

Conclusões
O que se observa, a priori, ao selecionarmos o corpus, sem podermos trazer conclusões fechadas, é que os blogueiros promovem um ethos discursivo, construindo uma imagem de si de pessoas com credibilidade para a atuação na área, buscando mostrar uma imparcialidade aos destinatários, que é desconstruída na preferência por temas políticos da região. Além disso, os blogs se utilizam muito do princípio do comentário, a partir da relação interdiscursiva com a grande mídia, em detrimento da local. Aliado a isso, os blogs do Sudeste Paraense, são mecanismos de constituição de um arquivo midiático acerca de temáticas reconvocadas. 

Referências bibliográficas
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutemberg à Internet. Tradução Maria Carmelita Pádua Dias – 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2006.

CUNHA, Dóris de Arruda C. da. Discurso outro e ponto de vista na construção do gênero perfil jornalístico. Revista Investigações, vol. 28, nº Especial, Dezembro/2015

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 3ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

_______. O que é um autor? In: FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 264-298

_______. Arqueologia do Saber. 7ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Tradução Susana L. de Alexandria. 2ª ed. São Paulo: Aleph, 2009. 

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Trad. Cecília P. de Souza e Silva, Décio Rocha. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2004, p. 85-103. 

ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação, autoria e efeitos do trabalho simbólico. 3ª edição. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. 

_______ . Análise de discurso. Campinas, São Paulo: Pontes, 1999.

Comentários

  1. Entendi que o nível de autoria dos blogueiros da nossa região é limitado e que prevalece o discurso da grande mídia nacional sobre os aspectos políticos e econômico da nossa região. Quais são os impactos que esse tipo de mídia pode causara para leitura de realidade do povo da nossa região?

    Macilene Borges da Silva Cardoso
    macilenecardoso@gmail.com

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    1. Oi Marcilene obrigada pelo comentário. Bem o que se percebe, a priori, é que os blogs e blogueiros mantém uma permanente relação com a grande mídia, por meio de discursos reconvocados, copiados. Entre as análises ainda prrlimiares observamos que ainda que haja a constituição de um ethos autor de uma mídia alternativa, os temas da grande mídia resvalam para os blogs como tentativa de angariar prestígio midiático e de se aliar ideologicamente à mídia hegemônica. Um impacto disso é só a repetição do discurso da grande mídia, com seus interesses e posições, sem que possa haver como poderia discursos alternativos aos leitores, com produções e posições diferentes dos propagados pela grande mídia, na maioria das vezes, pensando apenas, as vezes, pela via do grande capital, sem levar em consideração como deveria os atores sociais da nossa região. Um abraço.

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