CORPOS COMBATIVOS: CONFORMAÇÃO E RESISTÊNCIAS DE ARTISTAS NEGRAS EM MARABÁ, PARÁ
Raíssa Ladislau Leite, Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia, Mestranda, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Bolsista Fapespa/Capes, E-mail raissaladislauleite@unifesspa.edu.br
Idelma Santiago da Silva, Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia, Doutora em História UFG, Professora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, E-mail idelma@unifesspa.edu.br
RESUMO
Esta pesquisa se encontra em fase inicial e tem como objetivo abordar os processos de resistência de mulheres artistas negras na cidade de Marabá, de modo que seja possível discutir a potência de suas práticas e discursos na confrontação da subalternidade imposta pela ordem capitalista patriarcal, pois é no locus de permanentes conflitos e disputas por diferentes perspectivas de projetos de sociedade que as mulheres negras vivem na constante tentativa de assumir posturas as quais questionem os padrões sociais a elas impostos.
As teorias de base da investigação, discutem processos de subjetivação como resistência, feminismo negro, interseccionalidade de gênero e raça e subalternidade, pois a análise da relação dessas categorias são necessárias, se complementam e permitem a visualização e compreensão acerca de como as várias opressões estruturam nossa sociedade, e está constituída, inicialmente, pelas seguintes referências: Djamila Ribeiro (2018); Grada Kilomba(2019), Michel Foucault (2004), Spivak (2010), dentre outras. A pesquisa utilizará a metodologia da história oral, pois “a fonte oral é uma fonte viva, é uma fonte inacabada, que nunca será exaurida, e, portanto, que história bem-feita que queremos fazer é uma história inacabada” (VILANOVA, 1994), em busca de ouvir as falas dessas mulheres, para que narrativas outras se construam no imaginário social do papel/lugar da mulher negra e artista na cidade de Marabá e seus processos de enfrentamento em suas trajetórias de resistências.
No cenário politico de perdas de direitos instalado no país, que impõe ódio de classe, etnia e gênero; onde se alastram comportamentos de conduta violenta, é pertinente potencializar as narrativas de resistência das mulheres artistas negras como questionamento a ordem estabelecida, compreendendo as construções sociais como espaço de disputa sobre o lugar e os modos de ser mulher. Sendo artista negra imagino que esses espaços se constroem como uma questão de sobrevivência e dever de denunciar, em busca de transformações afim de desmistificar e ressignificar os modos como essas artistas são vistas. Contudo as atuações têm demonstrado que ainda há muito por se fazer, pois as marcas do racismo, sexismo são pilares da nossa sociedade capitalista que precisam ser questionadas.
Partindo disso, a pesquisa se encontra na fase de leitura das referências bibliográfica, teórica e metodológica, e leitura temática para o entendimento dos feminismos, em particular do feminismo negro no Brasil e também para a percepção das resistências por meio da arte de mulheres negras. Em seguida pretende se a ida ao trabalho de campo com as entrevistas de história de vida das entrevistadas, seguido de um roteiro aberto, mas com questões previamente elaboradas. Serão abordadas as narrativas de mulheres artistas negras que atuam na cidade de Marabá. Na busca de abordar suas produções artisticas como sopro, sorpo que permite ainda acreditar em dias melhores, em uma sociedade em possamos de fato existir em suas diversidades, diversidades de corpos, saberes, crenças, sexualidades. Onde o respeito e o direito a vida sejam uma realidade vivenciada de acordo com suas experiências, na qual as diferenças sejam celebradas e não ferramentas para legitimar ações cotidianamente violentas.
Celebrar uma arte da resistência, narrar histórias, para que cumpram um papel questionador. Esse processo de sobrevivência e luta engajada, partindo das memórias se faz necessário e questionador, pois como afirma Djamila(2018) se não se questionam as condições sociais construídas pelas marcas da colonização do Brasil, não se construirão narrativas que contraponham essa concepção. Quais lugares as mulheres negras artistas são representadas em Marabá? Em que espaços circulam? Quais temas são abordados em seus trabalhos?
O vivido sendo contado por diferentes formas narrativas, pode se apresentar potencialmente como uma escrita de si, no sentido foucaultiano, pois o relato desses acontecimentos se estabelecem numa relação continua das práticas sociais entre o vivido (passado) e o presente, num jogo que remonta as memórias individuais e coletivas com recortes que foram selecionados pela memória como marcantes, e que podem ou não ser ativados no relato. Memória essa, que se apresenta como espaço de disputa de narrativas, e esses embates resultado dos acontecimentos, podem ou não gerar rupturas dos discursos dos sujeitos.
As histórias de vida são atravessadas pelas conjunturas locais e da época, estando assim interligadas e influindo nos modos de constituição das subjetividades. Desse modo, a investigação trata-se de como os acontecimentos protagonizados pelas narradoras das suas trajetórias como artistas tiveram influência na constituição de si mesmas, nos seus modos de subjetivação. Suas produções artísticas podem se configurar como uma forma de escrita de si? De que maneira as práticas dessas mulheres se entrelaçam com seus posicionamentos e modos de ser e estar o mundo?
Seus modos de existir, sua estética, se constituem como tensionamento das práticas racistas apontadas como pilares constituídos na nossa sociedade de supremacia racial branca heteronormativa? Como um corpo negro torna-se movimento de resistência por meio de criações artísticas? De que forma os processos de subjetividade se constituem como práticas de liberdade?
Segundo Foucault, as técnicas de si possibilitam aos indivíduos, seja individual ou coletivamente, modos de operar seus corpos e almas, afim de transformar-se para atingir uma plenitude, ou seja, sua investigação gira em torno da “constituição do sujeito como objeto para ele próprio”, essas técnicas são um modo de confrontação aos processos de dominação estabelecidos socialmente.
O autor conceitua a governamentalidade como “encontro entre as técnicas de dominação exercidas sobre os outros e as técnicas de si”. Por essa razão o ideário de que somente certo grupo exerce poder não pode ser visualizada de forma generalizante, onde manda quem detém o poder e quem está nas estruturas ditas inferiores o obedece, há sempre uma relação de insurgência nesses processos pois são disputas em seus mais variados campos.
A produção da narrativa oral, nesse caso através da entrevista de história de vida, também pode se configurar como um processo – ou um ato – de produção de si. (porque a experiência é também produção discursiva, o que se coloca como um desses campos de disputa, as construções das subjetividades atravessadas pelas imagens, slogans, músicas e inúmeros outros elementos do período em que se narra geram interferência na forma como se constrói a narrativa do passado, sendo nesse sentido uma relação fluída não havendo a possiblidade de uma narrativa pura, original, pois ela é organizada e recortada de acordo com os processos que afetaram quem narra.
Nesse sentido, não se trata de uma busca ilusória de uma verdade absoluta, como afirma Scott (1999) as “histórias são escritas a partir de perspectivas ou pontos-de-vista fundamentalmente diferentes -e até irreconciliáveis - nenhuma das quais é completa ou completamente “verdadeira”” e que não pode ser debatida, ao invés disso é visualizar as teias que constituem as histórias e memorias a fim de compreender as formações de sentidos de suas trajetórias.
Pororoca dos sentimentos da/na pesquisadora.
Que questionamentos me atravessam como pesquisadora negra do meio artístico? Como estabelecer de forma sensível e aprofundada os contatos para entrevistas? Estamos vivenciando um momento histórico que nos obriga em nome de questões sanitárias manter distanciamento, como construir novos e firmes caminhos para uma escrita relevante?
Penso que o desafio a cada dia se alarga, sentindo que é fundamental uma produção cientifica que se coloque a disposição para conhecer e não para confirmar o que já está em mim/socialmente constituído como verdade. Compreendo a necessidade de uma imersão nesse processo, e certas inseguranças surgem ao pensar essa construção de forma remota, mas seria isso uma resistência individual, por pensar que teria perdas significativas no que se refere as entrevistas? Como reinventar-se nesse meio?
O lugar que me constitui como pesquisadora chegava até mim por meio do corpo, do olhar, de estar presente fisicamente, da relação com os movimentos sociais de militância nos quais de certo modo me constituem, assim, pulsava a necessidade de se impor contra os desmandos e desigualdades, O corpo fala, respira, silencia e traz minucias elas podem ser observadas em uma entrevista online?
A pesquisa cientifica é menos valorizada quando se expõe o que afeta a pesquisadora no processo de pesquisa? Ou seria um modo de escrita que se faz necessário? Como balancear o rigor acadêmico e uma escrita das sensibilidades? Combater as inseguranças que rodeiam esse processo me parece uma tarefa complexa, afinal acredito que pesquisar é um ato coletivo, pois os caminhos e esforços são sempre fruto de uma coletividade, por mais que muitas vezes o nome que aparece seja o somente o seu, acredito que a vida acadêmica não deveria ser tão solitária e aflitiva, sem sala de aula, sem campo, sem corpo, tudo isso que me falta incomoda. Ademais que o conhecimento produzido contribuía para a abertura e a ampliação dos espaços de debate acadêmico sobre a temática.
Referências Bibliográficas
AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo, SP: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 152 p. ISBN 978-85-98349-69-5
RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro? /Djamila Ribeiro. – 1ª ed- São Paulo; Companhia das Letras 2018.
FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa: Passagens. 1992. pp. 129-160. A escrita de si1.
FOUCAULT, Michel, 1926-1984 Ética, sexualidade, política/ Michel Foucault; organização e seleção de textos Manoel Barros da Motta; tradução Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004 (Ditos e escritos; v)
KILOMBA, Grada, 1968- Memórias da Plantação: Episódios de racismo cotidiano/Grada Kilomba; tradução Jess Oliveira. 1.ed. Rio de Janeiro:Cobogó,2019.
PORTELLI, Alessandro A Filosofia e os Fatos- Narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais Tempo, Rio de Janeiro , vol. 1, n°. 2, 1996, p. 59-72.
RAGO, Luzia Margareth, 1948- A aventura de contar-se: feminismo escrita de si e invenções da subjetividade/ Margareth Rago. – Campinas, SP: Editora Unicamp, 2013.
Parabéns pela pesquisa Raissa. O corpo de quem tem pele clara é tornado diferente de quem tem mais melanina. Terrível herança. Cada corpo negro (a) é território de resistência e cultura. Portanto, corpos combativos. E ainda mais com talento artístico torna-se coberto de invisibilidade. Fico com a reflexão diária do combate ao modelo da heteronormatividade por todos... Que visa lotear estes corpos demarcando fronteiras, estabelecendo rotas e caminhos sem prestigio. Quero lhe perguntar sobre a palavra contida no titulo de sua pesquisa: "conformação". Em que sentido?
ResponderExcluirRodrigo Bruno de Sousa
Agradeço as reflexões e a questão levantada Bruno, então a palavra "conformação" que está no momento como parte do titulo da minha pesquisa, se refere aos processos de "constituição de si" de como essas mulheres artistas negras visualizam seus processos enquanto artistas, suas subjetividades e a relação com suas praticas/ intervenções enquanto aspecto de resistência as praticas racistas constitutivas de nossa sociedade e da existência por meio da arte como ferramenta de liberdade. Raíssa Ladislau Leite
ExcluirParábens, para uma pesquisa inicial, você levanta questionamentos que são importantes para pensar o exercício do pesquisador. A herença europea nos ensinou uma escrita que dificilmente consegui ser sensible e definiu o campo acadêmico como campo dos fatos contrapondo razão e sensibilidade, em outras palavras, contrapondo mente e corpo. O pesquisador ocidental foi proíbido de usar sua oralidade e sua corporalidade no exercício da pesquisa. Gostaria de saber como você pensa mediar entre seu papel de pesquisadora e seu papel de artista na sua pesquisa? Por que são corpos combativos? Por que você só pensa abordar mulheres negras artistas? Acaso os artistas negros não podem participar daquele feminismo, eles não tem também um corpo combativo que tem fala? e o mesmo para os artistas negros trans?
ResponderExcluirElizabeth Garcia Mantilla
Obrigada Elizabeth pelas considerações e pelas questões levantadas. Então, esse exercício entre pesquisadora e artista tem me feio pensar enumeras questões, dentre elas que ser parte desse meio pode aparentar facilitar esse trabalho na pesquisa, contudo tenho refletido que pode me permitir visualizar e problematizar nuances nessa constante busca de compreender os limites e possibilidades dessa estreita relação. Em relação a proposta de pensar corpos combativos é em parte reflexo de questões da minha pesquisa do TCC onde refleti sobre as performances da coletiva de teatro Madalenas Tuíra da qual sou integrante, onde em por exemplo em uma das intervenções utilizando-se do corpo, escrevemos os dados de estupro, coletados no Atlas da Violência, Deam Marabá, dentre outros, para questionar publicamente e reivindicar novas formas de relações de gênero, que não sejam atravessadas pelas violências em duas mais diversas instancias. Em relação ao recorte de abordar apenas as mulheres artistas negras, não refleti profundamente sobre essa questão, talvez por já ter feito anterior trabalho apenas com mulheres, contudo discutir a questão racial foi algo que não tive condições para fazer antes e que tem me atravessado no momento atual. Raíssa Ladislau Leite
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