AS MULHERES DA PASTORAL DA JUVENTUDE DA DIOCESE DE MARABÁ E OS DOGMAS CATÓLICOS
Carla Silveira Moraes (Autora), PPGHIST - UNIFESSPA, carla@unifesspa.edu.br
Drº Jerônimo da Silva e Silva (Coautor), PPGHIST - UNIFESSPA, jeronimosilva@unifesspa.edu.br
INTRODUÇÃO
O presente trabalho faz parte da proposta inicial de construção da pesquisa no Programa de Pós Graduação em História, portanto trata-se de uma análise preliminar que objetiva refletir sobre a experiência religiosa das mulheres da Pastoral da Juventude da Diocese de Marabá entre os dogmas católicos e a construção da militância. Para tanto, utilizaremos a metodologia de história oral, conforme indicado por Verena Alberti (2004, p. 22), “a experiência histórica do entrevistado torna o passado mais concreto, sendo, por isso atraente na divulgação do conhecimento”, trata-se do fascínio do vivido, que apesar de ser ilusório já que é impossível reconstituir uma experiência passada tal como aconteceu, mas, ainda de acordo com Verena Alberti (2004, p. 22, grifo do autor), “quando bem aproveitada, a história oral tem, pois, um elevado potencial de ensinamento do passado, porque fascina com a experiência do outro. Esse mérito reforça a responsabilidade e o rigor de quem colhe, interpreta e divulga entrevistas”, assim destacamos o uso da história oral a fim de compreender as experiências vivenciadas por essas mulheres dentro dos espaços da igreja.
A Pastoral da Juventude (PJ) é a organização dos jovens da Igreja Católica, que surgiu a partir da Ação Católica na década de 1930, ligada a Teologia da Libertação. Com uma estrutura organizada nacional, regional e localmente, a PJ pauta suas ações a partir dos Grupos de Base, que são os grupos organizados nas comunidades e paroquias, e a sua principal forma de atuação, a partir da perspectiva da chamada igreja em saída, que preocupada com a realidade e os problemas sociais pautam suas experiências na construção de uma sociedade melhor e mais justa.
Durante a crise provocada pela pandemia do novo Corona Vírus, os encontros dos grupos de base foram suspensos, apesar de que alguns grupos ainda tentaram se organizar virtualmente, e a impossibilidade de realizar encontros presenciais provocou certa desarticulação. A despeito de possuir uma organização própria, a PJ segue a estruturação da igreja católica com regionais, dioceses, paroquias e comunidades, assim, a diocese de Marabá é parte da regional norte II, existe a 40 anos, e compreende também os municípios do entorno, organizada em 6 áreas pastorais, conta com 29 paroquias e dezenas de comunidades, que dependem da auto organização dos jovens para a construção das ações, estudos e das diversas atividades que são construídas anualmente.
AS MULHERES DA PASTORAL DA JUVENTUDE: ENTRE OS DOGMAS CATÓLICOS E A MILITÂNCIA
Utilizaremos aqui o conceito de juventudes no plural, conforme apontado por Alcimar Trancoso e Adélia Oliveira (2007, p. 283), para destacar a heterogeneidade da situação de juventude vivenciada, pois acreditamos na diversidade de formas de os jovens estarem no mundo, não como meros receptáculos dos ensinamentos dos adultos, mas como sujeitos que compreendem a realidade que estão inseridos e criam diversas estratégias para lidar com os seus problemas, que variam não só de acordo com a realidade social, mas também com diversos outros fatores que se conectam na experiência desses jovens e exige deles respostas.
Mesquita et. al. (2016, p. 294-295) ao refletir sobre a participação e a compreensão da política por parte dos jovens destaca que “o cenário de desigualdades existente na cidade provoca os jovens militantes a se posicionarem, exige deles uma atitude de responsabilização” ao passo que entre os jovens inseridos nos grupos religiosos, “valores como solidariedade, compromisso com os outros e ‘servir de exemplo’ destacam-se como elementos que sustentam o engajamento”.
Nesse último caso destacamos a inserção dos jovens da Pastoral da Juventude, que são grupos de jovens ligados ao meio religioso, logo estão envoltos nesses valores de compromisso e servir de exemplo, mas também, na maior parte dos casos, atuam na militância referente aos cenários de desigualdades dos mais diversos espaços. Nessa perspectiva encontra-se a atuação das mulheres da pastoral da juventude, que possuem também atuações voltadas as desigualdades de gênero e as mais diversas formas de violências que atingem as mulheres, ao mesmo tempo em que se constituem enquanto sujeitas em formação a partir dos valores disseminados pela igreja. Partimos de uma compreensão de que os padrões de ser mulher tem sido alterado ao longo dos anos, e que essa mudança tem chegado também nas comunidades católicas, assim pretendemos compreender um pouco dessas experiências religiosas das mulheres.
Como destacado por Sales e Maia (2017, p.97) um dos ideais da Pastoral da Juventude do Brasil é a defesa da autonomia do jovem, a reflexividade e a capacidade crítica, adicionamos a isso a construção de novas relações.
A PJB adota práticas pedagógicas que objetivam a formação de seus membros a partir daquilo que ela acredita ser o “modelo ideal” de cristão e de sociedade. Tais opções foram construídas com base na prática e nos referenciais teóricos e ideológicos que a orientam. (SALES e MAIA, 2017, p. 96)
Além das questões sociais, os jovens discutem e aprendem também as questões religiosas, tais como os cânticos, ensinamentos, passagens e parábolas, por onde se concretizam seus ideais de fé e vida. De acordo com Bompani (s/a) “Há algumas verdades doutrinárias na Igreja Católica que são estabelecidas como ‘dogmas da fé’, ou seja, nenhum católico que queira continuar católico pode negar ou mudar aquilo.” Esses ensinamentos são postos com autoridade e “explicitamente pela Igreja como revelada por Deus, exigindo-se a crença do Povo de Deus.”
“Quebra a arrogância deles pelas mãos de uma mulher” (Judite, 9, 10b) foi a iluminação bíblica do 19º Congresso Jovem da Pastoral da Juventude da Diocese de Marabá, realizado entre os dias 02 a 06 de março de 2019 em Parauapebas-PA, teve como tema: “Construção de novas relações pela vida das mulheres”, onde foram desenvolvidas diversas reflexões acerca das violências que se sobrepõe a vida das mulheres, a partir de uma reflexão que propõe que “Como Pastoral da Juventude, acreditamos em um mundo onde a igualdade e o exemplo de Cristo – que acolhe e ama – são norteadores para todas as ações [...]”. (PJ, 2019, p. 03) dando continuidade e profundidade nos debates levantados pela Campanha Nacional de Enfrentamento aos Ciclos de Violência Contra a Mulher.
Nesse congresso, além do ensinamento bíblico do modelo feminino de Judite - que foi uma mulher bela, inteligente e devota, e com fé em Deus salvou o seu povo das garras do inimigo – foram discutidos diversos assuntos como a saúde das mulheres, a sororidade, o lugar das mulheres negras, as masculinidades tóxicas e diversos outros assuntos, além do resgate da trajetória de mulheres que foram assassinadas na luta por direitos dos diversos povos, entre elas: Marielle Franco, Maria do Espirito Santo Silva e Lorena Lima. “Que as vozes femininas sejam escutadas, valorizadas, louvadas em sua busca por sua vez e lugar”. (PJ, 2019) demarca a necessidade das mulheres serem valorizadas socialmente e nos espaços da própria igreja, pois como destacou Michele Perrot (1992) “Da história, muitas vezes a mulher é excluída”, ou é renegada a posição de mãe (Maria) e portanto deve permanecer no ambiente doméstico, ou de pecadora (Eva) e também deve se ausentar dos espaços de fala.
Na Diocese de Marabá, a área que mais possui grupos da PJ é a Área Carajás, entre os municípios de Parauapebas, Canaã dos Carajás, Curionópolis e Eldorado dos Carajás. No município de Marabá, que está divido nas áreas pastorais da Cidade Nova, da Nova Marabá e de Morada Nova, existem 3 grupos de base, sendo um grupo ligado a paroquia Nossa Senhora da Conceição e fica em São Miguel da Conquista – área cidade nova, outro grupo ligado a paroquia Sant’ana e fica em Murumuru e o grupo da Paroquia Nossa Senhora de Fátima, localizada no São Felix KM 2, que se identifica como JUCS – Jovens Unidos em Cristo Salvador e está organizado com a PJ desde 2014.
Essas paroquias já possuíram diversos outros grupos em diversas comunidades, e como se trata de organização dos jovens, não possui caráter fixo e é diretamente afetado pelo interesse desses jovens, bem como pelo avanço e recuo de outros segmentos da igreja, como a Renovação Carismática Católica (RCC), e também pode variar por conta do segmento adotado pelo Padre da comunidade, assim é necessário destacar que a igreja enquanto instituição é um cenário de disputas e contradições, onde as mais diversas forças atuam na construção dos ideias que são pregados e fomentados por essa instituição. Nessa perspectiva a PJ da Diocese de Marabá tem se construído como uma organização dos jovens da igreja católica preocupada com a inserção e formação deles, mas também com questões sociais, como destacado entre os aspectos que compõe a identidade da Pastoral.
Somos jovens das diversas realidades regionais do país, na maioria empobrecida e, a exemplo de Jesus Cristo e da Igreja da América Latina, fazemos opção pelos pobres e jovens. Encontramo-nos em grupos para partilhar e celebrar a vida, as lutas, os sofrimentos e cultivar a amizade baseada em uma formação integral e mística próprias. (SILVA, 2009, p. 18)
É importante destacar assim, o comprometimento desses jovens, que buscam atuar não somente a partir de seus problemas individuais, mas, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, pensando também no outro e na coletividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa encontra-se em fase inicial, assim é importante destacar que vários elementos necessitam ser investigados e aprofundados, mas é importante destacar o lugar da militância social e de gênero das mulheres da igreja católica, que constroem diversas estratégias de resistência e desconstrução de pré-conceitos enraizados na igreja, como é o caso do grupo de mulheres católicas pelo direito de decidir.
Dentro da Pastoral da Juventude as mulheres possuem uma forte atuação na perspectiva das discussões de gênero, não atoa conseguiram desenvolver uma campanha nacional pelo enfrentamento dos ciclos de violência, levando importantes discussões para as mais diversas localidades desse País. Em Marabá, juntamente com o desenvolvimento da campanha desenvolveu-se o 19° Congresso da Juventude com o mesmo tema, onde o principal ensinamento foi o de Judite, modelo feminino bíblico pouco utilizado na igreja católica, demarcando assim não só uma perspectiva diferente, mas também sugerindo a construção novos valores e novas relações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERTI, Verena. O lugar da História oral: O fascínio do vivido e as possibilidades de pesquisa. In: Ouvir, contar: textos em história oral. FGV Editora: Rio de Janeiro, 2004.
BOMPANI, Alfieri Eduardo. Caminho de vida - Preparação para a Crisma. Livro 2. Editora Santuário. S/A. Disponível em: http://www.catolicoorante.com.br/dogmas.html
MESQUITA, Marcos et. al. Juventudes e Participação: Compreensão de política, valores e práticas sociais. Psicologia e sociedade, 28 (2), p. 288-297)
PERROT, Michelle. Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. 2a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
PJ, Pastoral da Juventude. Cancioneiro do 19º Congresso Jovem da Pastoral da Juventude da Diocese Marabá. 2 a 6 de março de 2019, Paróquia Cristo Rei, Parauapebas, Pará. 2019.
SALES, Lilian M. P. MAIA, César P. Pastoral da Juventude do Brasil: Uma Proposta de Formação de Indivíduos não Individualistas. Caminhos: Goiânia, v. 15, n. 1, p. 96-109, jan./jun. 2017
SILVA, Lourival R. Somos Igreja Jovem. Pastoral da Juventude: um jeito de ser e fazer. Orientações para a caminhada: um CORPO em construção. Subsídio de Estudos. São Paulo: CCJ, 2009.
TRANCOSO, Alcimar E. R, OLIVEIRA, Adélia A. S. Aspectos do conceito de juventude nas ciências humanas e sociais: Análise de teses, dissertações e artigos produzidos de 2007 a 2011. Pesquisas e Práticas psicossociais, 11 (2), São João Del-Rei, 2016.
Parabéns pela pesquisa em andamento Carla. Fui de grupo de jovem da PJ em Altamira, 2005 (PA) e como seminarista acompanhei a PJ em Ananindeua, 2006-2007 (PA). E um dos temas que circulava residia em torno dos adolescentes que recebiam o sacramento do crisma e reduziam sua participação na igreja de ambos os sexos. Penso, este desafio permanece? Não sei se já conhece o documento da CNBB nº 85, que trata: Evangelização da Juventude - Desafios e Perspectivas Pastorais.
ResponderExcluirRodrigo Bruno de Sousa
Grata, Rodrigo.
ResponderExcluirSim, a permanência da participação dos jovens é um problema que inicia com a Crisma. Mas as análises ainda são preliminares e não possuo dados que mostrem essa preocupação dos Pejoteiros. Não conhecia o documento, obrigada.
Carla Silveira Moraes
Parabéns Carla. Acredito que você concluirá com êxito.
ResponderExcluirEu participei do grupo PJ na paróquia Nossa Senhora Aparecida no bairro Liberdade -Marabá, em torno de 1997. A coordenação trabalhava muito em prol dos ensinamentos e permanência dos jovens daquela paróquia. Foi um tempo precioso na minha vida. Não sei se ainda é feito esse trabalho na paróquia citada, você fez análise por lá?
Maria Aparecida Ramos de Jesus
Obrigada, Maria Aparecida.
ExcluirAinda não tive conhecimento desse grupo do bairro liberdade, mas essa questão da permanência dos jovens é de fato um problema. Tanto que até a diocese de forma geral esta com dificuldade de articulação atualmente.
Carla Silveira Moraes
Parabéns pela pesquisa, Carla. Participei de alguns congressos jovens aqui na Diocese de Marabá, então te pergunto, pensando em contribuí para a sua pesquisa. Você fez o levantamento da quantidade de mulheres que participam dos grupos de base? e quantas, em média, participam dos congressos? Acredito que possa ter um diferença considerável, visto que mesmo sendo da PJ, algumas jovens possam ter famílias mais conservadoras, que impeçam a participação dessas jovens fora de sua cidade, sendo um empecilho para a construção da consciência social e atuação das mulheres em diversos espaços da igreja.
ResponderExcluirEmílio Campos Mendes
Grata, Emílio.
ExcluirAinda não consegui fazer esse levantamento, por conta de que depois do congresso alguns grupos foram desativados e a pesquisa ainda é inicial foi afetada pela pandemia, assim como a própria articulação dos jovens também foi. Mas é um aspecto interessante, vou olhar com mais atenção. Obrigada.
Carla Silveira Moraes
A pesquisa fortaleceu o entendimento que tenho de que o individuo quando engajado em alguma religião se torna mais humano, menos egoísta. Será que sua hipótese confirma ou rechaça meu entendimento?
ResponderExcluirMacilene Borges da Silva Cardoso
macilenecardoso@gmail.com